Quando conheci a Maria Joana, estava eu com a minha melhor amiga (em pleno arranque da adolescência) e preparou-se um grupinho que, com pompa e circunstância, se dirigiu para casa dela para formalmente sermos apresentadas.
Atrapalhei-me um pouco com a dona da casa a espreitar pela porta do quarto. Sem se importar com o aparato, disse-nos que não queria barulho. Surpreendida quis perguntar porquê mas não tive tempo, tivemos que correr para as escadas e abafar as gargalhadas. Estávamos a ter um valente ataque de riso, coisa invulgar em adolescentes.
Cruzava-me com ela de vez em quando até que deixei de a encontrar. Conheci então o haxixe, não era a mesma coisa mas também era agradável e já haviam outras problemáticas a envolver a questão. Uma delas era precisamente a proibição. Dos amigos que tive, cujos pais a deixaram entrar em casa, regra geral todos eles estão bem. Muito bem até.
Não sei se o factor proibição não leva a que muitos prossigam teimosamente, característica muito marcada nos adolescentes, sem se aperceberem que estão a aventurar-se cada vez mais em mar-alto.
Se a minha filha alguma vez quiser fumar, que o possa fazer em casa. Não aposto que vá preferir o conforto e o à vontade do lar, em vez de o fazer na escola ou em outros sítios menos desejáveis. Mas mais facilmente saberei em que pé é que as coisas andam e que discurso carregado de sabedoria e de experiência lhe poderei preparar.
Durante alguns anos fomos amigas, a Maria Joana e eu. Acalmava-me em dias de grande stress, quando chegava a casa e me sentava com ela a ouvir música. Era ela também, musa inspiradora, que estimulava a minha criatividade e me desatava os sentidos.
Os melhores trabalhos artísticos que fiz, que decoram a casa das pessoas que sempre a apontaram como má companhia, foram feitos com ela. Em contrapartida, aquele rapaz tão bem-posto, tão bom mocinho e tão “careta”, óptima companhia na opinião de qualquer pessoa de bem, deixou-me num frangalho.
Curiosamente, lembro-me de tudo o que fiz com ela e relativamente ao B52 (pai dos shots), já não posso dizer o mesmo.
Já alguém me disse que ela estimula a manifestação de problemas assintomáticos latentes. Não tenho tanta certeza que os problemas latentes não se revelarão na mesma, mais cedo ou mais tarde, com o avançar da idade e o acumular das pressões.
Quando, começou a deixar de haver haxixe, não quis avançar mais. Não posso dizer o mesmo de alguns amigos, que se embrenharam em outras experiências e desapareceram. Privilegiada, eu tive um posto de observação, o local onde cresci e onde, desde cedo, pude ver o efeito que as drogas pesadas têm nas pessoas.
E um dia . . . «Nem erva (Cannabis), nem haxe (haxixe), agora só vendo “cavalo” (heroina). Se corro o risco de ser preso, ao menos que seja com algo que dá dinheiro a sério e que ainda por cima é mais fácil de disfarçar. E há também a questão da fidelização do cliente, volta sempre» (esta última declaração foi feita com um sorriso irónico que me gelou a espinha).
Naquele momento, quando o dealer me explicou, descaradamente, as razões da sua escolha de nicho de mercado (depois de eu lhe perguntar porque é que já não vendia erva), decidi que acabava ali.
Tenho pena . . . mas não tenho pachorra para andar à procura nos cantos escuros da cidade, nem para lidar com escroques que não hesitam em tentar vender-me veneno. Nem tenho vida para isso.
Mas acima de tudo, tenho saudades . . . do cheiro, do ritual, do convívio e principalmente, estou farta destas complicações com a saúde, que eu sei que se resolveriam com ela e que já nem com os medicamentos artificiais posso resolver, também esses deixaram de ser fabricados. Anda tudo ao mesmo.
É hoje! É hoje!
sábado, 3 de maio de 2008
A Maria Joana e eu
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